Lolita, obra clássica do russo Vladimir Nabokov (1899-1977) foi e é provocadora… basta dizer que é a história de uma paixão de um homem adulto por uma pré-adolescente.
Nabokob, é bom recordar, fugiu à Revolução de 1917, com apenas 18 anos. O livro, escrito em inglês, de um autor polémico que gostava de borboletas e de xadrez, tem história e uma elegância fora de comum. Um livro que se começa e logo acaba, tal a ânsia de o devorar.
Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã, um metro e trinta e dois a espichar dos soquetes; era Lo, apenas Lo. De calças práticas, era Lola. Na escola, era Dolly. Era Dolores na linha pontilhada onde assinava o nome. Mas nos meus braços era sempre Lolita. Teve uma precursora? Teve, sim, teve. Na verdade, talvez até não houvesse Lolita nenhuma se, certo Verão, eu não tivesse amado uma rapariga-menina inicial. Num principado junto ao mar. Oh, quando? Quase tantos anos antes de Lolita nascer quantos eu contava nesse Verão. É sempre de esperar num assassino uma prosa de estilo caprichoso. Senhoras e senhores do júri, a prova número um é o que os serafins, os simples, mal informados e nobremente alados serafins, cobiçaram. Reparai neste emaranhado de espinhos.
Nasci em Paris, em 1910. O meu pai era pessoa branda e indolente, uma salada de genes rácicos: cidadão suíço de mista ascendência franco-austríaca, com umas gotas do Danúbio nas veias. Daqui a um instantinho mostrar-lhes-ei alguns deliciosos postais ilustrados, de um azul muito brilhante. Era dono de um luxuoso hotel da Riviera. O seu pai e dois avós tinham vendido vinho, jóias e seda, respectivamente. Aos trinta anos desposou uma jovem inglesa, filha de Jerome Dunn, o alpinista, e neta de dois párocos de Dorset, especialistas em assuntos obscuros - paleopedologia, um, e harpas eólicas, outro. A minha muito fotogénica mãe morreu num singular acidente (piquenique, faísca) quando eu tinha três anos e, exceptuando uma bolsa de cálida ternura no mais negro passado, nada subsiste dela nos vales e fissuras da memória, sobre os quais, se ainda podeis suportar o meu estilo (estou a escrever vigiado), o sol da minha infância deixou de brilhar: todos vós conheceis, certamente, esses fragrantes restos de dia suspensos, com os mosquitos, sobre alguma sebe em flor…