Quem é então o culpado?

Quem é então culpado?

Aqui, os doentes seleccionados no quadro de um dispositivo legal eram recebidos num edifício por enfermeiras profissionais, que os registavam e despiam; havia médicos que os examinavam e os conduziam a uma câmara estanque; um operário administrava o gás; outros procediam ao trabalho de limpeza; um polícia estabelecia a certidão de óbito. Interrogadas depois da guerra, cada uma das pessoas diz: Culpado, eu?

A enfermeira não matou ninguém, limitou-se a despir e a acalmar doentes, gestos correntes na sua profissão. O médico também não matou, confirmou apenas um diagnóstico segundo critérios estabelecidos por outras instâncias. O servente que abre a torneira do gás, aquele que portanto mais se aproxima do homicídio no tempo e no espaço, efectua uma função técnica sob o controle dos seus superiores e dos médicos. Os operários que esvaziam a câmara fornecem um trabalho de higiene necessário, bastante repugnante, de resto. O polícia observa o procedimento que lhe compete, consistindo em comprovar um óbito e em registar que este teve lugar sem violação das leis em vigor.

Quem é então culpado? Todos ou ninguém?

Extracto do livro As Benevolentes, de Jonathan Littell.

Dou comigo a estabelecer paralelismos com os tempos que correm, relativizando, é claro, pois poucas coisas há que se possam comparar com os horrores da Segunda Guerra Mundial.

A minha pergunta, porém, é a mesma: Quem é agora o culpado? Todos ou ninguém? Certo, certo, é que enquanto ouvimos a música da crise e a necessidade da austeridade – leia-se, enquanto somos trucidados – há quem vá atulhando os bolsos.

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