Pescarias em Angola
Estava a trabalhar em Luanda, uns anos depois da independência, quando um amigo me desafiou para uma pescaria. Comprei fio, comprei chumbos, comprei anzóis, e fomos, numa manhã com o sol a sorrir e as águas esverdeadas a beijarem o pequeno iate do meu amigo Moutinho. Até seis milhas da costa foi uma maravilha, ventinho no rosto e muita vontade de pescar, corria no ar o prenúncio de uma aventura.
Lançada a âncora, porém, o barco ficou a baloiçar, abanando a proa e as asinhas, e eu a enjoar, e ele teimosamente a saracotear, e eu a enjoar, as ondas a mordiscarem o casco, e eu a enjoar como nunca tinha enjoado na vida!
O barquito era pequeno - não tinha WC - o meu organismo exigia a libertação dos ovinhos mexidos do pequeno-almoço (que em Angola se chama mata-bicho), os meus intestinos gritavam comigo, achei que o fim-do-mundo para mim estava a chegar.
Ia morrendo, com a boca aberta e as vergonhas à mostra, e com o meu amigo a dizer-me que até os peixes fugiam… Foi terrível, mais detalhes não dou, foi mau, muito mau mesmo.
Umas semanas depois fui sozinho para o Morro dos Veados, ali sim, iria pescar! Atravessei a nado (com um pequeno saco às costas com o material de pesca), até umas rochas onde as garoupas esperavam por mim. Levava um saco de serapilheira para colocar as garoupinhas. E assim foi, pesquei uma, pesquei duas, pesquei umas oito ou nove, retirava o anzol e metia-as no saco que colocara na água entre as rochas, para evitar que ficassem ao sol e se mantivessem vivinhas até ao meu regresso. Garoupas lindas! Ao fim de umas quatro horas de pesca senti uma fome danada, a minha imaginação só dava garoupinhas grelhadas com manteiguinha e limão por cima. Babava-me só de pensar, decidi terminar por ali a pescaria.
Ao puxar o saco senti um baque no coração, apalpei-me para ter a certeza de que não estava a sonhar, as garoupas tinham desaparecido, nem uma para amostra! Investigando, dei com o saco roto numa das pontas, prova provada (passe o pleonasmo), que uma delas, ou várias em conluio, se tinham empenhado em não viajar comigo.
Regressei a casa frustradíssimo, ainda hoje sonho com garoupas!
Mais rocambolescas histórias de pesca fui coleccionando em Luanda, terra de sembas e kizombas e tarrachinhas, terra de funge e de feijão de óleo de palma, terra de bom peixe que de mim fugia ou troçava!
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