Olhos Mil

Semana agitadíssima: para seis milhões de benfiquistas (ou serão sete?) é a catarse tão esperada, para milhões de fiéis a visita tão ansiada do Papa, para milhões de cidadãos é o fado de saber que mais medidas anticrise vêm a caminho. 

Enchi-me de coragem, caducado que estava o meu Bilhete de Identidade, e fui tratar do Cartão do Cidadão, documento que substitui o velho BI e os cartões de beneficiário da Segurança Social, de Utente de Saúde e de Contribuinte. Quatro em um!

Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido com o atendimento e com o pouco tempo que perdi para resolver o assunto. Esqueci-me do Cartão de Utente mas o sistema conhecia o número; esqueci-me do número de Contribuinte mas o sistema sabia qual era; esqueci-me dos três últimos números do código postal da minha actual morada, mas o sistema e a sua memória de elefante não me deixaram ficar mal.

Na perspectiva de utente não podia ter corrido melhor. Na perspectiva de cidadão com direito à privacidade fiquei a cogitar na revolução digital a que assistimos e na forma como a sociedade nos desnuda. Os nossos passos são registados desde que nos levantamos até à hora em que nos deitamos. Se um dia o Estado, ou qualquer outra entidade privada, se puser a reunir e a cruzar a informação que vamos produzindo – e que é registada através de cartões de crédito, de código de barras, de cartões de fidelização, de câmaras de vídeo, da Internet, ou de muitos outros suportes, como o Facebook – pouco ou nada ficará por saber. E não é de escutas que estou a escrever!

Há olhos por todo o lado, olhos que sabem quem somos, com quem andamos, que dinheiro temos, quanto gastamos, o que comemos, que uísque bebemos, por que estradas conduzimos, com quem trocamos mensagens, que preservativos utilizamos e com que periodicidade os adquirimos. Assustador!

Em muitas cidades, por razões de segurança, proliferam as câmaras de vídeo. É o preço do desenvolvimento, dirão alguns, é o início de uma nova era com muito menos liberdade, dirão outros. E o que mais podemos imaginar neste louco mundo da revolução digital?

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