Não fazem a ponta de um corno

Ele alto e curvado, ela baixinha mas muito direita. Ambos gastos pela idade, sentados no café em amena cavaqueira. Falavam alto, toda a gente os ouvia sorrindo.

Ela: «Diz aqui que os combustíveis vão voltar a aumentar.»
Ele: «Se fossem só os combustíveis... Sobe tudo, tudo, tudo... menos as reformas, é claro.»
Ela: «É a crise...»
Ele: «É a pouca vergonha, isso sim.»
Ela: «Diz aqui que os políticos acumulam reformas e que há... que raio de palavra... des-pe-sismo no Estado. Sabes o que é des-pe-sis-mo, António?»
Ele: «Olha, onde se lê despesismo, faz o favor de ler “roubar à fartazana”... Só lhes falta mesmo é roubar carteiras no Rossio!»
Ela: «Também não precisas de exagerar... Vê aqui António, vê aqui como eram os bigodes dos republicanos há cem anos.»
Ele: «Mostra lá, mostra lá... Ah, antes ainda se escondiam atrás dos bigodes, agora é à descarada... Isto não tem concerto, toda a gente já percebeu, menos eles.»
Ela: «Se o FMI vem por aí adentro, aí é que a porca torce o rabo.»
Ele: «Se for para lhes torcer o rabo e bem torcidinho, que venham hoje ainda.»
Ela: «Cala-te com isso, António.»
Ele: «Calar? Era o que faltava... Malandros, uns grandes malandros é o que eles são... Não fazem a ponta de um corno.»
Ela: «Cala-te com isso, homem.»
Ele: «Olha mas é para a página do desporto e vê se há notícias do Benfica.»

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