Circuncisão, 2ª parte
Circuncisão (2ª parte)
Uma picadinha nos testículos, disse o médico, do outro lado da cortina. Uma picadela dolorosa queres tu dizer, pensou Josué. Largou um ai na anestesia, um ai sonoro. Voltaram a tapá-lo, mas dez minutos depois sentiu uma das enfermeiras destapar-lhe as vergonhas. Uma espécie de tiro de partida. Seguiu-se um silêncio religioso, um silêncio que o fez ter a certeza que lhe estavam a contemplar o lagarto. Com o cérebro toldado pelas luzes e pelas dúvidas, deixou de os ouvir pelos ouvidos, passou a ouvir e até mesmo ver com o coração. Distinguiu sombras, viu tesouras e bisturis de vários tamanhos, viu fórceps, viu pinças e mais pinças, teve a sensação que uma das enfermeiras o apalpou, a certa altura ouviu mesmo a respiração da enfermeira com olhos de égua brava. A malvada tinha um cinturinha fina, lá isso até tinha, o pior eram os olhos de camaleão a observá-lo de todos os ângulos. Se eu mandasse corria com ela deste hospital, sentenciou irritado.
Quando menos esperava viu-se no recobro. Enfermeira, enfermeira, a que horas saio daqui?, perguntou. Vai sair daqui quando lhe dermos autorização, respondeu a enfermeira de olhos de égua brava. Como é que se chama, enfermeira?, questionou. Tanta curiosidade, tanta curiosidade… Não lhe basta chamar-me enfermeira?, respondeu a mulher engelhando a testa e abanando a cabeça em sinal de censura.
Por fim lá saiu, a fulaninha deu-lhe uma pomada para colocar de oito em oito horas, uma receita para aviar, um papel com recomendações, e o contacto telefónico, caso precisasse de ajuda. Josué chamou um táxi e pediu-lhe que o levasse a casa. O pior foram os solavancos, o efeito da anestesia terminara… Doía-lhe cada vez que o taxista curvava, doía-lhe quando o doido travava, doía-lhe quando o maluco passava por cima de buracos.
Puxou as calças e espreitou assim que chegou a casa, a coisa estava inchada, disforme, parecia até ter aumentado de tamanho. Ficou dividido entre o susto e o riso, uma voz sussurrou-lhe ao ouvido um invulgar e obsceno devaneio. Devaneio que acabaria por se concretizar, como se verá na próxima semana.
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