Circuncisão

Sentiu os cabelos eriçarem-se e uma sensação de frio na espinha quando o médico lhe disse que tinha de ser operado. Nunca, never, jamais, nie, pensou Josué, era o que faltava colocar o salpicão nas mãos daquele sujeitinho de bata branca ou naqueles outros de bata azul. É certo que o mangalhito estava a ficar cabeçudo, lá isso estava, mas funcionava e isso era o mais importante.

O médico dissera-lhe para se dirigir ao balcão e escolher um dos poucos dias que ainda tinha disponíveis para operar até ao final do mês. Quando Josué saiu do gabinete teve a sensação que todas as caras, ou quase todas, se viraram para si. Olhou para a mulherzinha que estava atrás do balcão – uma loira sardenta e sem pescoço, com grandes olhos azuis –, pareceu-lhe que ela sorria trocista.

Saiu do hospital apressado e a jurar pela alma que não iria à faca, esqueceu-se até de pagar a consulta. E não era para menos, ser circuncidado aos vinte e sete anos era a coisa mais difícil que lhe poderia acontecer na vida. Já tinha passado por muitas dificuldades, muitos obstáculos, muitos sarilhos, muitas ondas, muitas aventuras com consequências, mas nenhuma como aquela. E se eles se enganassem e em vez de cortarem o prepúcio lhe cortassem a cabeça do salsichão? Ou até mesmo o salsichão inteiro… Não, não era de fiar em hospital algum!

Um mês depois lá se decidiu e fez o agendamento, só umas horas depois deu conta que a cirurgia ficara marcada para o dia 13, sexta-feira às 13 horas. No lo creo en brujas pero que las hay las hay, pensou. Por fim lá se decidiu, entrou de peito feito no hospital mas foi directo ao WC, uma dor de barriga dera-lhe a volta à tripa. Enquanto fazia sentado o que ninguém podia fazer por si, olhou com orgulho e piedade para a espada, e desejou-lhe sorte.

Assim que entrou no bloco, uma funcionária mandou que se despisse e vestisse o traje operatório. Quinze minutos depois viu-se deitado numa marquesa e rodeado por três auxiliares vestidas de azul: uma, na casa dos quarenta, sorriu-lhe mostrando uns incisivos de respeito; uma outra, com olhos de égua brava, praguejava dizendo que estava esganada de fome; a terceira, gorduchona mas simpática, perguntou-lhe se se sentia bem-disposto. Nunca me senti tão bem na vida, retorquiu. Elas vão assistir a tudo, cismou, olhando para o tecto.

A enfermeira com olhos de égua colocou uma espécie de biombo de forma a impedir que ele visse o que ia acontecer mais abaixo, enquanto outra puxava o lençol e o deixava nu do umbigo para baixo. O médico entrou imediatamente a seguir, vociferando com o que lhe acontecera na cirurgia anterior. Por um instante pensou em levantar-se e fugir dali, só não o fez porque se lembrou que não sabia onde lhe tinham posto a roupa e os sapatos. E fugir nu do hospital não era propriamente um cenário discreto!

cp
Nota: a história continua...

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