As três Luas
Existem três Luas, sabes isso tão bem como eu. Em tempos imemoriais, quando era eu falcão e tu sereia com asas, fizeste uma malandrice daquelas! Lembras-te? Vá lá, não digas que não…
Recordo-me tão bem, eu estava empoleirado num cedro quando te vi subir e depois bailar descalça em cima de uma árvore gigante. Estavas nua, tinhas apenas um colar de conchas ao pescoço, e os olhos postos no céu. Os teus olhos… Oh, os teus olhos tinham a cor da magia, eu olhava como se estivesse hipnotizado! Que imagem, meu Deus, uma visão daquelas acontece uma vez na vida…
Nessa altura viam-se sempre três Luas, muito belas, tão belas que o céu se vestia de luz e de estrelas todos os dias. As Luas coscuvilhavam horas e horas, lembras-te?
Tempos depois, numa quente noite de Março, a mais séria das três Luas disse que o teu canto fazia chocar navios, que eras lava e fogo e até mesmo desgraça. Esticaste uma asa e fizeste-a desaparecer, o teu riso encheu a atmosfera. Uma outra, tão elegante que mal se via, chamou-te má e feiticeira, garantiu mesmo que depois de seduzires anjos e poetas, os levavas para o fundo do mar. Sopraste com tanta força que ninguém mais a viu. A mais louca das três, tão redonda e manhosa quanto boémia, achava-te graça, dizia que tinhas vindo de Vénus, que pouco ou quase nada fazias senão provocar amores e desamores. A essa sorriste e enviaste um beijo, tudo em ti era alegria, malandrice, sedução. Viste-me a olhar para ti, e eu fiquei vermelhíssimo, como se tivesse sido apanhado a roubar. Olhei para o chão, quando levantei os olhos tinhas desaparecido.
O tempo passou, depois de falcão tive outras vidas, fui serpente, baleia, pintassilgo, lobo, e em todas elas te vi, sempre linda, sempre caprichosa. Renasci, sou humano e pecador, deixei de te ver, de ver a sereia que sempre foste…
Hoje porém, olhando para a Lua, encantadora e sedutora como nunca, a uivar sobre amores e prazeres, a declamar poemas ao desejo, dei conta que a Lua agora és tu, e que é tua a saliva que tenho nos lábios.
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