Aqui há onça
Quando vejo a onça fico suado e com uma sede danada. Como se tivesse acabado de atravessar um deserto. Como se não bebesse água há um ano. Que gelo é este que me esfria o sangue? De onde virá esta infinita e inexplicável aflição?
Ontem olhei sorrateiramente e vi-lhe as garras pintadas de roxo, tive a sensação que ia desmaiar. Mantive-me vigilante, quietinho como um crocodilo, sentindo o coração pulsar na garganta. Não me atrevo a perguntar ao Altíssimo porque lhe deu umas garras tão afiadas e uns olhos tão penetrantes. Não me atrevo. Aqueles olhos verdes põem-me atarantado. Ora são verdes de esmeralda, ora da cor das folhas da primavera. Ora são verdes de inocência, ora da cor da sedução. Confesso que o meu sangue gela – ou ferve, não sei bem –, e me deixa irracional. Por isso, e por muitos motivos mais, preciso de mil cautelas para não ser devorado.
Hoje não penso o que pensei ontem, e amanhã pensarei outra coisa. Talvez um dia, quem sabe, eu possa enfrentar uma onça.
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